Tribunal de Recursos põe neutralidade da rede em perigo nos EUA

05/08/2024

O Tribunal Federal de Recursos da 6ª Região dos Estados Unidos suspendeu temporariamente, pela segunda vez, a entrada em vigor da regulamentação da Comissão Federal de Comunicações (FCC – Federal Communications Commission), que restauraria a neutralidade da rede nos EUA, derrubada no governo de Donald Trump.

Uma implicação óbvia é a de que as novas regras não entrarão em vigor nos próximos anos, se o candidato republicano Donald Trump for eleito presidente em novembro. A nova regulamentação deveria entrar em vigor em 22 de julho. Mas, em 12 de julho, o tribunal federal de recursos bloqueou a vigência das novas regras até 5 de agosto, para considerar novas alegações das Provedoras de Serviço da Internet (ISPs).

Na quinta-feira (1/8), o tribunal a prorrogou novamente, desta vez por tempo indeterminado. A corte prometeu apenas realizar uma audiência no final de outubro ou começo de novembro para ouvir novas alegações das partes. Ou seja, uma decisão dificilmente vai sair antes da posse do presidente eleito em 20 de janeiro de 2025.

As “novas alegações” se referem, principalmente, à interpretação da decisão da Suprema Corte que revogou o precedente de 40 anos, chamado de “Chevron Deference”, que criou a chamada doutrina Chevron.

Tal doutrina estabeleceu que os juízes federais devem acatar a interpretação (ou regulamentação), pelos órgãos públicos, de leis que são ambíguas ou omissas – desde que a interpretação seja razoável. A decisão transferiu para os juízes federais o poder de interpretar tais leis, a não ser que o Congresso conceda, especificamente, esse poder a um órgão público.

 

A decisão de um colegiado de três juízes do tribunal federal de recursos argumenta, entre outras coisas, que a FCC excedeu sua autoridade ao aprovar as novas regras sobre a neutralidade da rede, porque só pode fazê-lo com autorização do Congresso. E assume que “os parlamentares provavelmente não garantiriam à FCC o poder de decidir a questão”.

A decisão também assume que as autoras da ação – um grupo de ISPs (ou provedoras de banda larga) – mostraram em suas alegações que, provavelmente, serão bem-sucedidas no julgamento dos méritos da questão. E que, provavelmente, as novas regras da FCC sobre a neutralidade da rede serão derrubadas.

A corte alega ainda que as regras da FCC sobre a neutralidade da rede têm mais a ver “com quem está no governo, do que em qualquer significado duradouro da lei”. Afinal, a neutralidade da rede foi adotada no governo Obama (democrata), rescindida no governo Trump (republicano), recriada no governo Biden (democrata) e estará a mercê de quem será o novo presidente dos EUA.

O que é a neutralidade da rede
Neutralidade da rede é o conceito de que as provedoras de serviços de internet (ISPs, também chamadas de provedoras de banda larga) não podem limitar ou bloquear o tráfego na internet, nem reduzir velocidades de download ou upload de cada website, de acordo com suas conveniências empresariais.


As ISPs querem, por exemplo, disponibilizar diferentes “pacotes” de serviços de internet com preços variáveis, como o fazem os canais de TV a cabo. Ou criar pacotes específicos para notícias, filmes, esportes, entretenimento, etc. E arrecadar mais dinheiro com isso. No Brasil, por exemplo, o conceito de neutralidade veda que operadoras vendam pacotes “personalizados”, que limitam os acessos dos consumidores.

As regras da FCC enquadram as provedoras de serviços de internet (ISPs) na categoria de serviços de utilidade pública (tais como telecomunicações, eletricidade, gás, água e esgoto). E as submete, portanto, a um certo nível de autoridade reguladora da FCC, de acordo com a Lei das Comunicações. Além disso, as obriga a manter a neutralidade de rede.

As autoras da ação são lideradas por gigantes do mercado, como Comcast, Charter, AT&T, Verizon e Spectrum (ex-Time Warner), e querem ter liberdade para operar seus negócios como lhes apetecer.

Do outro lado, defendendo a neutralidade, todavia, também há gigantes da internet, como o Google, Amazon, Facebook, Netflix, Twitter, Spotify, Reddit, Mozilla, Airbnb, Dropbox, Tumblr, GoDaddy e Expedia. Também apoiam a FCC organizações de peso, como a American Civil Liberties Union (ACLU) e a Electronic Frontier Foundation. Todas fazem campanha a favor da regulamentação das ISPs pela FCC.

Fonte: Revista Consultor Jurídico - Por João Ozorio de Melo