Estados republicanos dos EUA aprovam lei que cria casamento indissolúvel
Sob o signo da ideologia cristã, três estados republicanos (Louisiana, Arkansas e Arizona) dos Estados Unidos aprovaram leis que criam o casamento instituído por contrato. Chamado de covenant marriage (casamento contratual), é um instituto com regras diferentes das do matrimônio tradicional.
O contrato é legalmente vinculante (na tradução literal de binding contract). Ele estabelece que um homem e uma mulher permanecem efetivamente casados até que a morte os separe. Em suma, é um casamento indissolúvel.
Um casal até pode obter um divórcio na Justiça, mas apenas se conseguir provar que há alguma circunstância extrema que o justifique. Mas nenhum dos então divorciados poderá se casar novamente, segundo as regras aprovadas.
Para todos os efeitos legais, eles continuam casados. Afinal, o contrato não é rescindível. Assim, o suposto divórcio acaba apenas com a coabitação, não com o casamento. Em outras palavras, apenas regulariza uma separação física.
Traição e abuso
Entre as circunstâncias consideradas “extremas”, que devem ser apresentadas em juízo, estão casos comprovados de adultério, abuso sexual ou físico, condenação e prisão de cônjuge e abandono do lar por mais de dois anos.
De qualquer forma, para que o juiz aceite julgar um pedido de divórcio, o autor da ação deve provar, antes de mais nada, que o casal está separado há mais de dois anos.
A advogada Marlene Pontrelli, de Phoenix, disse ao ABA Journal que, em casos de covenant marriage, é comum juízes trancarem ações de divórcio imediatamente quando a separação por mais de dois anos não é comprovada.
O casamento contratual elimina algumas espécies do casamento tradicional. Não há, por exemplo, a figura do chamado “divórcio independente de culpa” (no-fault divorce), nem do casamento consensual (uncontested divorce).
Também não se fala em divórcio amigável. E exclui algumas proteções garantidas por lei, como ocorre em casos de divórcio em um casamento tradicional. Não há, por exemplo, garantias de pensão alimentícia nesse novo modelo.
Atrás das cortinas
Todos esses rigores da lei do casamento contratual têm um propósito claro: desestimular o divórcio. Para enfrentar as rusgas, os “casais de fé” têm de se sujeitar a um “aconselhamento pré-matrimonial”, em que são doutrinados sobre “a natureza, os propósitos e as responsabilidades do casamento”, que deve existir para sempre, “sob um contrato sagrado”.
Advogados de Direito de Família acreditam que a lei do casamento contratual é uma ideologia do nacionalismo cristão, em ascensão nos estados republicanos-conservadores dos EUA. Para a advogada Tracy Moore-Grant, que exerce as funções de mediadora em processos de divórcio, no entanto, “é o resultado da interferência de autoridades eclesiásticas na prática da lei”.
Uma figura pública que se casou sob o regime do covenant marriage é o presidente da Câmara dos Deputados, Mike Johnson, um republicano conservador e religioso de Louisiana.
Para se ter uma ideia das convicções de Johnson, ele declarou em entrevista, logo depois de assumir o terceiro cargo mais poderoso do país, que “a Bíblia está acima da Constituição”.
Além do estado natal de Johnson, do Arizona e do Arkansas, outros quatro estados têm projetos encaminhados sobre o novo tipo de matrimônio: Texas, Tennessee, Missouri e Oklahoma.
A Assembleia Legislativa da Flórida, também um estado republicano, ainda não apresentou um projeto de lei no mesmo sentido. Por enquanto, estão mais avançadas as discussões de outro projeto de lei que tenta desestimular o divórcio: uma regra que propõe o fim do pagamento da pensão alimentícia.
“Em qualquer um dos casos, as dificuldades são maiores para a parte mais fraca, que é frequentemente a vítima de violência doméstica ou que não tem poder para acabar com um relacionamento tóxico ou abusivo de uma forma ou de outra”, diz a mediadora profissional Kristyn Carmichael.
O papel dos tribunais
Embora o divórcio não acabe com o casamento contratual, ele é debatível na Justiça para justificar o fim da coabitação. Dessa forma, é um divórcio baseado no estabelecimento de culpa, de uma ou das duas partes.
“Isso exige um julgamento que, em essência, transforma as Varas de Família em Varas Criminais, porque é preciso decidir de quem é a culpa e quem merece, portanto, ser responsabilizado e, quem sabe, punido”, diz a advogada de Direito de Família Holly Davis.
“Pode ser necessário ouvir testemunhas, apresentar fatos e provas. E é um convite para falsos testemunhos e para fabricação de provas pelas partes desesperadas para terminar o casamento.”
“Como o modelo se aplica a todos os casamentos contratuais, que excluem divórcios consensuais ou amigáveis, isso só vai sobrecarregar ainda mais as cortes e aumentar os custos do Judiciário. Além disso, as cortes terão de ter juízes e auxiliares que entendam a lei desse tipo de casamento”, diz a advogada.